segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Os provérbios do Inferno e as Portas para o Céu

Por Roberta Grassi

 
“Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo se mostraria ao homem tal como é: infinito”. (Em inglês, “If the doors of perception were cleansed everything would appear to man as it is: infinite”. Já viu onde isso vai dar, né?)


A frase acima foi escrita pelo poeta e pintor inglês William Blake e faz parte de seu livro O casamento do céu e do inferno, de 1790.

Blake foi um dos pioneiros do romantismo britânico e é considerado como um dos autores mais místicos. Apesar de cristão convicto tecia criticas ferrenhas à religião institucional – contraste que não ficou de fora de sua obra.

Em O casamento do céu e do inferno & outros escritos, além de diálogos com criaturas demoníacas e angelicais, Blake nos entrega seus Provérbios do Inferno, tais como:

“Aquele que deseja e não age engendra a peste.”


“Se o louco persistisse em sua loucura, tornar-se-ia sábia.”


“Os tigres da ira sabem mais que os cavalos da instrução.”


“O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria”
(Isso séculos antes do “sexo, drogas e rock’n’roll)


Esse caráter espiritual e um tanto quanto profético das poesias de Blake acabaram por influenciar outro escritor, o inglês Aldous Huxley.

Se você ouviu falar em Admirável Mundo Novo, obra que influenciou meio mundo (incluindo a brasileira Pitty), então provavelmente você já ouviu falar em Aldous Huxley, seu criador.


Em 1953, Huxley estava na Califórnia e por lá esbarrou em um pesquisador interessado em desvendar os mistérios da mescalina – droga extraída da raiz do peiote, que desempenha função sagrada na religião dos índios americanos.


E o que ele tirou do encontro com este pesquisador? Inspiração para escrever um livro? Também. Mas antes disso, Aldous Huxley se ofereceu como cobaia para a pesquisa sobre mescalina. No que classificou como “uma radiosa manhã de maio”, o escritor tomou quatro decigramas de mescalina dissolvidos em meio copo d’água e se sentou para esperar o resultado.


E o resultado do consumo deste “meio copo d’água” resultou no livro de 1954 “As Portas da Percepção” (é, de novo as portas).


Além da óbvia referência à frase de Blake, Huxley também adotou uma visão espiritual para encarar suas “viagens”. Junto com imagens de estruturas cinzentas das quais brotavam pálidas esferas azuladas e elucubrações sobre pé de cadeiras (“quão miraculosa a sua tubularidade, quão sobrenatural seu polimento!") provocados por consumo de mescalina, LSD, longos períodos de jejuns, de silêncio e isolamento e até autoflagelação, Huxley tenta “limpar” estas portas da percepção e  através dela enxergar a infinidade de tudo e nossas limitações diante deste infinito.


“Vivemos, agimos e reagimos uns com os outros; mas sempre, e sob quaisquer circunstâncias, existimos sós. Os mártires penetram na arena de mãos dadas, mas são crucificados sozinhos. Abraçados, os amantes buscam desesperadamente fundir seus êxtases isolados em uma única autoconsciência; debalde. Por sua própria natureza, cada espírito, em sua prisão corpórea, está condenado a sofrer e gozar em solidão. Sensações, sentimentos, concepções, fantasias – tudo isso são coisas privadas e, a não ser por meio de símbolos, e indiretamente, não podem ser transmitidas. Podemos acumular informações sobre experiências, mas nunca as próprias experiências. Da família à nação, cada grupo humano é uma sociedade de universos insulares.”


E no final da década de 60 nós chegamos à última porta: a banda The Doors.


Além do nome da banda ser inspirado no livro de Huxley (que por sua vez foi inspirado nos versos de Blake), reza a lenda que Morrison, também inspirado por Huxley, conferia a suas experiências com mescalina e ácido lisérgico um caráter de ritual inspirado no xamanismo.


Morrison morreu em julho de 1971, as hipóteses das causas de sua morte aos 27 anos variam entre a possibilidade de que “o caminho do excesso” tenha o conduzido a uma overdose e (para os amantes de teorias da conspiração) um suposto assassinato planejado pelas próprias autoridades do governo americano (Morrison foi referido como sendo o nº 4 a morrer misteriosamente, tendo sido os três primeiros Jimi Hendrix, Janis Joplin e Brian Jones (todos mortos com 27 anos). Em todo caso, o relatório oficial aponta "ataque de coração" a causa da sua morte.





Eu tentei resumir tudo e acredito que muita coisa ficou de fora deste resumo, mas mesmo se eu escrevesse muito mais nada substituiria a leitura dos livros de Blake e Huxley. E pode ler os livros sossegado, dizem que livros (pelo menos a maioria) causam bem menos danos ao cérebro que o consumo de ácido lisérgico e mescalina.


@robertagrassi
http://esquizofreniacoletiva.blogspot.com

5 comentários:

  1. Não li nada de Huxley e Blake, mas me lembrei que Blake é a inspiração do serial killer vivido por Ralph Fiennes no filme "Dragão Vermelho", que antecede cronologicamente "O silêncio dos inocentes", sucesso de público e crítica com Anthony Hopkins e Jodie Foster.
    Marco Antonio Martire - http://www.obloguidomarco.blogspot.com/

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  2. Também foi inspiração do Bruce Dickinson para o disco Chemical Wedding !

    Fica 1 abraço

    Gustavo Henrique

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  3. Bem lembrado, Marco, no Dragão Vermelho tem quase uma overdose de referências ao Blake, o personagem do Fiennes tem até uma das pinturas dele tatuada nas costas. Muito bom.

    Essa do Bruce Dickinson eu não sabia
    blogando e aprendendo hahahaha Valeu, Gustavo

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  4. No Rock podemos encontrar trabalhos que transcendem acordes, mostrando algo mais primoroso e conceitual como no fantástico álbum The Wall, da banda Pink Floyd, na música "Bohemian Rhapsody" do Queen e nesta explicação sobre as inspirações de Morrison. Isso me fez lembrar o encarte do álbum Diorama, da banda Silverchair, onde podemos ver uma porta se abrindo... Ou estaria se fechando?? Bom, a questão é que Daniel Johns, assim como Morrisson também se inspira em grandes pintores... Mondrian, Dalí, Magritte ... Enfim... Resumindo, meu comentário, sou simplesmente fascinada por arte, independente de sua ramificação: pintura, música, poesia... A Arte é o alimento de minha alma e no Rock sempre encontro exemplos que a mistura destas vertentes artísticas resultam em experiências fantásticas.
    Excelente texto, Roberta!! Parabéns!! ^_^

    Fique com as Fadas...

    Beijinhos

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