domingo, 18 de setembro de 2011

A Musa e o Grande Irmão



Para a grande maioria, a relação da banda Muse com a ficção se resume à trilha sonora dos filmes da série Crepúsculo (o que meio que estigmatizou a banda, já que a série de livros/filmes sobre os vampiros de Stephenie Meyer desperta o ódio na mesma proporção em que angariou fãs ardorosos). Mas uma olhada mais atenta e é fácil ver como a ficção vem inspirando a banda em suas músicas e clipes.

Tem como ver o clipe de Time is running out e não se lembrar do Dr Fantástico do Kubrick?



E de todas as vezes que o Muse buscou inspiração na ficção, nenhuma ficou tão evidente como no álbum The Resistance de 2009 e atulhado de referências a 1984 de George Orwell.


1984 foi publicado em 1949 e conta a história de Winston Smith, cidadão de uma sociedade oligárquica, coletivista, onde todos são observados de perto e contralada pelo Grande Irmão (em inglês Big Brother, e sim, é foi de 1984 que saiu o termo que batizou aquela atrocidade televisiva).

“O Grande Irmão é onipotente. Cada sucesso, realização, vitória, descobrimento científico, toda sabedoria, sapiência, virtude, felicidade, são atribuídos diretamente à sua liderança e inspiração”.

Em meio a tanta repressão, Smith se depara com a insignificância de sua vida. Desiludido com sua existência miserável e consciente de que “respeitando as leis menores podia infringir as maiores”, ele começa uma rebelião contra o sistema.
Enquanto luta contra sua insignificância e contra o sistema, Smith se apaixona por Julia – um romance que vai contra as regras que sufocam Smith e aos leitores mais desatentos é simplesmente mais um obstáculo para o personagem tropeçar e cair nas garras de seus opressores.

Matt Bellamy, vocalista e guitarrista do Muse, disse em entrevista que leu 1984 quando estava na escola e na época só prestou atenção aos aspéctos políticos da história, mas ao reler o livro anos depois foi a história de Smith e Julia que lhe causou maior impacto.

“Essa idéia de que o amor era o único lugar onde havia um pouco de liberdade. O ato de amar pode ser um ato político nesse tipo de cenário, como o único lugar onde o Estado não pode invadir sua privacidade.”

O impacto que a releitura de 1984 causou em Bellamy fica evidente em Resistance, segunda faixa do álbum. Ali estão todos os questionamentos de Winston – “será que nosso segredo está seguro esta noite?”, “ou será que nosso mundo está desmoronando?”, “isto pode estar errado, mas deveria estar certo” – e a convicção de que “Love is our resistance”.



Em MK ULTRA Winston Smith e Julia lutam para manter seu relacionamento contra a pressão do Estado.

“O comprimento de onda cresce lentamente,
Noções coercivas se expandem novamente
Um universo preso em uma lágrima
Ressoa no núcleo,
Cria leis não-naturais
Substitui amor e felicidade por medo

Quanta decepção você pode suportar?
Quantas mentiras você criará?
Quanto tempo até você desmoronar?
Sua mente está perto do colapso”



Como 1984 não foi escrito por Stephenie Meyer, o final feliz não é garantido. Winston e Julia são pegos pela Polícia do Pensamento, e é nesta altura do livro que Orwell deixa claro que é de dentro para fora que se destrói um individuo. Os dois são torturados e acabam entregando um ao outro. Diante da traição e da certeza de ter sido traído, Winston e Julia se separam e a rebelião de Winston chega ao fim.

Guiding Light, quinta faixa do álbum, retrata a desorientação e o vazio de Winston depois que a Polícia do Pensamento o libera.

“Você era minha luz orientadora
E o conforto e o aconchego não podem ser encontrados
Eu ainda procuro por você
Mas estou perdido, destruído, e gelado, e confuso
Sem uma luz orientadora”



O mais perturbador de 1984 é que, salvo alguns extremos, George Orwell conseguiu descrever a sociedade atual. “Hoje o que havia era medo, ódio, dor, porém nenhuma dignidade de emoção, nenhuma mágoa profunda e complexa”. E matt Bellamy demonstrou uma sensibilidade absurda ao perceber que é em suas paixões que um individuo mostra resistência contra todo o controle e influência da sociedade em que vive.

Sendo assim, rock’n’roll is our resistance.


Até o próximo post

Roberta Grassi
http://esquizofreniacoletiva.blogspot.com


4 comentários:

  1. Interessante análise desse intertexto!

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  2. Parabéns!
    Resenha incrível.

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  3. Ótimo texto, adorei a relação, musica x literatura, queria ver mais disso aqui.

    abraço

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  4. Valeu pelos comentários, galera.

    Leone, to pensando em escrever p/ semana q vem sobre Anne Rice e o rock, vamô vê se a mistura dá certo e se meu cérebro dá conta.

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