Pages

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O talento do Jimi e a esmola de Deus

Por Roberta Grassi



Não gosto de conselhos, mas se por acaso tivesse que dar um conselho que servisse e funcionasse para todo mundo este conselho seria: pelo menos uma vez na vida pegue uma guitarra elétrica, plugue-a num pedal de distorção, plugue o pedal num amplificador e arranhe as cordas da guitarra. Mesmo que você não entenda nada de guitarra, pelo menos uma vez na vida faça isso.


Meu conselho soou idiota? Sem qualquer propósito?

Calma que eu explico minha linha de raciocínio.

Toda quarta-feira eu tenho aula de guitarra no horário mais ingrato do mundo: às 8 da manhã. Uma vez por semana eu me arrasto com a cara inchada até o conservatório municipal e com um desempenho digno de um zumbi faço a aula de guitarra.

Em uma dessas quartas-feiras meu professor, no melhor estilo professora de primário tomando a tabuada, me pediu para recitar as escalas maiores. Mas quem disse que eu consegui? É o básico do básico para quem estuda música e mesmo assim já é coisa pra caramba. Depois do meu fiasco eu perguntei para o meu professor como que o Jimi Hendrix, com o cérebro fritando, conseguia lembrar de tudo isso? E meu professor respondeu “ele não precisava se lembrar, ele tinha um dom, teoria musical fazia parte dele”.

Não estou dizendo com isso que Jimi Hendrix nunca precisou estudar música ou coisa do tipo, mas é inegável que provavelmente (para não dizer logo com certeza) o cérebro dele funcionava muito melhor quando o assunto era música do que o cérebro de qualquer mortal comum.

E o que isso tem a ver com o meu conselho?

Bom, se você nunca tocou uma guitarra com distorção eu vou tentar descrever a sensação – e se você já desfrutou dos benefícios de um pedal de distorção talvez concorde comigo.

A primeira vez que eu toquei uma guitarra com distorção foi numa Expo Music, anos atrás. Eu entrei numa fila em um dos stands, esperei minha vez, peguei a guitarra e coloquei os fones de ouvido, peguei a palheta que eu tinha ganhado de brinde e comecei a tocar. Hoje eu já não toco grandes coisas, na época então eu não tocava porcaria nenhuma, mas quando aquele som distorcido chegou aos meus ouvidos a sensação que eu tinha era que eu estava detonando. Tocar uma guitarra com distorção é como se um ser superior que criou tudo e por isso mesmo a tudo controla, na sua infinita bondade, tivesse imortalizado o talento e a habilidade de Jimi Hendrix, esfarelado isso em zilhões de partículas e desse de esmola uma dessas partículas para qualquer um que ansiasse trazer a música à vida através de seus dedos. É só uma partícula, você nem pode fazer muito com isso, mas definitivamente te dá um grau.

Cada solo de guitarra distorcida tem um poco de Jimi

E além desta sensação, outro motivo para o meu conselho é que sempre que um ser humano toca um instrumento musical ele deixa de ser simplesmente criatura e passa a ser criador (blasfêmia, mas, de novo, é esta a sensação).

Charles Darwin (aquele tiozinho que você estudou sobre nas aulas de biologia) disse que “como nem o gozo nem a capacidade de produzir notas musicais são faculdades minimamente úteis para o homem” esta deveria ser considerada a habilidade mais misteriosa que o ser humano possui. E além de ser um mistério, música é também matemática – “semitom mais semitom igual a tom”. É ainda possível enxergar vários princípios da física na música, é através da física que se calcula a vibração das notas musicais e se estuda as ondas sonoras. E posto que toda emoção humana é química e que música é 100% emoção, música também é química; pois embora a audição seja o único processo dos cinco sentidos que é totalmente mecânico, quando a orelha capta um som e o ouvido interno o transforma em impulsos elétricos, imediatamente este som é buscado na memória e ligando a alguma emoção, o que dispara as glândulas do hipotálamo no cérebro e libera certos peptídeos na corrente sanguínea.

Música é tudo isso. É matemática, física e química, e ao mesmo tempo tem algo de espiritual, é feita com a alma e é capaz de alterar o estado de espírito e a maneira de ver a realidade a seu redor.

E quando você toca um instrumento musical é você quem está criando tudo isso.

Daí o meu conselho: pelo menos uma vez na vida se torne o criador e manipule física e química, use o nosso dom mais inútil e mais complexo, pelo menos uma vez na vida arranhe as cordas de uma guitarra plugada num pedal de distorção.



PS: desculpem os exageros, hoje é quarta-feira, dia em que meu cérebro fica sobrecarregado.

Até o próximo post

Roberta Grassi

4 comentários:

  1. Cara mto bom.... adorei , até pq eu tbm toco guitarra e qndo ia fzer aula era a mesma coisa!!!
    Tudo que foi dito é a mais pra verdade. Parabéns!!

    ResponderExcluir
  2. Muito loco o texto Roberta! Reza a lenda que Jimmi Hendrix assim como Wolfgang Mozart e muitos outros músicos possuía o tão aclamado e desejado pelo artistas do meio... o "Ouvido Absoluto"! Mas porem mais do que qualquer dom, o que tem que se prevalecer é a vontade, o gosto e a paixão do ser pela musica, independente da forma! E isso Hendrix tinha de sobra! Quando ele começou a tocar, foi com uma vassoura, e ele passava horas a fio tocando guitarra em sua mente com a vassoura em suas mãos! Só bem mais tarde ele veio a ganhar um violão, e depois a guitarra! E uma coisa muito importante a se ressaltar, é que Jimmi é um dos "precursores" na evolução do instrumento! Ele tocou a guitarra como ninguém ainda havia tocado na sua época! Outro fato também muito interessante é que: as guitarras e os equipamentos daquela década, nem se aproximam do que é hoje, e pode afirmar-se que Hendrix contribui de forma concisa para isso acontecer com seu estilo único de tocar guitarra! E de lá pra cá muito se surgiu nesse mundo guitarristico, e sem tirar a importância de ninguém, tenho pra mim que somente Eddie Van Halen é tão influente e genial quanto Jimmi Hendrix quando o assunto é a guitarra!

    Concordo com você quando diz que a musica é uma "ciência"! Talvez em construção, ou então apenas como parte de estudo para tal! Se não me engano Pitagoras foi o primeiro ou um dos primeiros a dizer que musica é pura matemática, e em partes acho que ele estva coberto de razão, pois como é dito no texto, musica vai muito além de números e leis naturais que nossa vã filosofia pode entender ainda! Por esses aspectos que eu concordo com os pensadores renascentistas, quando diziam que a arte, principalmente a musica, era o que aproximava mais o homem de e à "Deus"!

    Valeu Roberta, muito foda o texto, e faço de seu conselho o meu também! Abraço

    ResponderExcluir
  3. ''pelo menos uma vez na vida arranhe as cordas de uma guitarra plugada num pedal de distorção.'' falou tudo! muito bom o texto, parabéns viu! :)

    ResponderExcluir
  4. Nossa Roberta vai ser nerd assim sei lá aonde haha ... Muito bom!

    ResponderExcluir